Pedra nos Rins

Quando a geologia e o seu próprio organismo se unem para te derrotar.

Sempre tive uma grande dificuldade de interpretar sinais que o corpo dá. Na primeira vez que acordei com uma ressaca na vida, passei grande parte do dia seguinte achando que aquela dor de cabeça insuportável era um siso nascendo.

Dito isto, vamos para uma quarta-feira qualquer de 2012. Acordei e fui tomar meu café da manhã. Ali eu já percebi que tinha alguma coisa errada acontecendo nos meus interiores porque eu sentia uma mistura de dor nas costas com dor de barriga. Continuei os meus afazeres matinais normalmente, imaginando que aquele incômodo passaria.

O incômodo, por sua vez, decidiu que não passaria. Ele resolveu crescer mais. Era como se estivessem enfiando e girando de cinco em cinco minutos aqueles talheres sorridentes dos anos 90 na minha barriga. Eu estava confuso e pensando “agora sim é o meu siso nascendo”.

Não era. De novo. Naquele ponto da minha vida eu já tinha deixado de acreditar em sisos.

Foi a hora em que decidi que o que estava dentro de mim precisava sair e fui ao banheiro botar os bofes para fora. Olhos lacrimejando, cuspidinha pós-êmese e a sensação de missão cumprida. Dei aquela escovada nos dentes e já estava pronto para seguir com minha vida. E aí a dor voltou mais intensa do que nunca.

Bom, eu definitivamente estava morrendo. A dor dessa vez foi tão forte que, quando me dei conta, eu já estava chorando no chão. Minha mãe veio ver o que estava acontecendo. Para não desesperá-la, tentei explicar a situação com calma:

– EU TO MORRENDO MÃE POR FAVOR NÃO ME DEIXA MORRER
– O que foi, Ygor?
– Ó MAS QUE LÁSTIMA O DERRADEIRO FIM DA VIDA. ESTOU A PARTIR DESTE PLANO.
– Por que você tá caído no ch…
– TAL QUAL GETÚLIO VARGAS SAIO DA VIDA PARA ENTRAR NA HISTÓRIA
– Tá, vou ligar pro seu pai pra ele fazer algo

Meu pai veio correndo do trabalho para me levar a um hospital. Enquanto eu o esperava, minha mãe que nunca teve um diploma de medicina, tinha certeza de que poderia resolver a situação por conta própria. Tal qual uma curandeira indígena, ela ficou passando Gelol nas minhas costas esfregando Vick Vaporub (que só descobri agora na internet que não é VAPORUBA e sempre falei errado). Quando meu pai chegou, fomos ao hospital.

Cheguei lá besuntado de Gelol com Vick e o semblante de um corpo que já não tinha mais uma alma. Uma situação bem triste até para um profissional de medicina que já viu de tudo. O médico me levou para um daqueles leitos, botou um negocinho nas minhas veias e em questão de minutos eu já estava soltinho no pagode.

Nada me abalava, eu estava pela primeira vez naquele dia sem sentir nenhuma pontada. Me senti completamente acolhido pelo poder das drogas e nada mais poderia estragar aquele momento. Exceto uma enfermeira que chegou com os resultados dos meus exames. Ela começou a explicar umas coisas de “pipipi leucócitos popopo bastonetes blá blá blá você está com sangue na urina”. Aí parou tudo.

VOCÊ. ESTÁ. COM SANGUE. NA URINA.

Acabou sorriso, acabou morfina, acabou o solzinho dos Teletubbies iluminando a minha vida. Eu nunca tinha encarado de frente o peso dessa frase. O desespero voltou.

– É CÂNCER NÉ DOUTORA EU TO COM CÂNCER
– Eu sou só a enfermeira, mas não, você tá com…
– COM OS DIAS CONTADOS NÉ MULHER PARE DE JOGUINHOS PARE DE RODEIOS DIGA-ME
– É um caso simples de cálculo renal. Você deixa…
– DEIXO A VIDA PARA ENTRAR PARA A HISTÓRIA TAL QUAL GETÚLIO VARG…cálculo renal?
– É. Pedra nos rins. Basta você beber muita água e tomar esses remédios que elas saem naturalmente.
– Ah ok 😀

Os dias seguintes eram puro pesadelo. Eu ia me aliviar já achando que a qualquer momento sairia um Onix pela minha uretra e eu desmaiaria durante o ato.

Acabou que um dia aconteceu e não senti dor nenhuma. Foi tão tranquilo que acho que a pedrinha era uma ametista, tão zen que foi aquele momento.

Olhei pra ela, ela olhou pra mim e sabíamos que aquilo era um adeus.

Beba água.

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